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“Introduzimo-nos em um rosto mais do que possuímos um”(DELEUZE e GUATTARI, 1996, p. 49)."

resistir ao rosto para reinventar a Vida! "Ele sentia vagamente que esta arte, no momento em que terminava abruptamente, coincidia com o início de uma outra, e que ela havia ansiado por esta outra arte. Ele sentira que Baudelaire havia sido o seu precursor, tendo sido ele alguém que não se deixara desnortear pelos rostos, buscando, em contrapartida, os corpos nos quais a vida era mais intensa, cruel e conturbada."

 

Rilke em Auguste Rodin. 

"Que faria eu sem este mundo sem rosto sem questões
Quando o ser só dura um instante onde cada instante
Se deita sobre o vazio dentro do esquecimento de ter sido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se dissipam"

Beckett - instante

 

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A pesquisa começou com desenhos pequenos em papel, basicamente anatomicos numa tentativa de soltar minha mão e, como costumava dizer, desaprender a desenhar. Eu me sentia preso às tecnicas de desenho e às formas e aos ideais de beleza e traço já viciados em minha mão, nos olhos e na mente. E pensava que quanto menos tempo tivesse para pensar e controlar o que fazia, mais os resultados poderiam ter vida e expontaneidade, pois não podia confiar em mim mesmo, colonizado como estava no gestual e no imaginário, apesar de toda quebra praticada e buscada na vida.  

 

A pesquisa foi passando a outros suportes e variando a dimensão. nesse processo trabalhei com caneta nanquim, canetão posca sobre madeira em formatos maiores, pincéis com sumi e café e ecoline sobre papel Schoeller, e rabisquei alguns dos melhores desenhos (provavelmente pelo descaso com material e resultados) nas páginas da extinta revista Bravo com seu design cheio de espaços brancos em couché liso. Enveredei ao abstrato, fui ao extremo figurativo, e nesse viés, em 2008, ilustrei o livro de poesias Encarna do poeta Berimba de Jesus. (AnnaBlume editora e Dix editorial). Depois disso experimentei com pontilismo junto ao um só traço, hachuras, juntei à linha de desenhos com as digitais e até desenho cravado na pele de uma grande amiga e parceira desdobrou.

 

Até então era apenas mais um dos meus estudos em desenho. Em 2011, fui convidado para expor alguns trabalhos e fazer uma performance de pintura ao vivo na edição de aniversário do C.U.R.T.A., festa/festival de multiplas artes com cachaça do qual eu fiz curadoria das instalações na Casa das Caldeiras em São Paulo, nas primeiras edições. 

Já havia algum tempo que o action painting de Pollock e de Aguillar me seduzia enquanto dinâmica de pintura, e imaginava que poderia funcionar como modo de passar para grandes formatos minha arte em linha contínua, mas nunca havia testado.

 

Decidi testar, pesquisei o tipo de tinta que me daria a plasticidade necessária de fio, comprei uma lata de tinta esmalte preta e uns papéis A1 e comecei a pesquisa, no dia da festa. Usei uma espátula para escorrer como vi uma artista usando em minha pesquisa. Não funcionava. Nada funcionava. E num ataque de fúria após horas de tentativas sem resultados, me lancei com a espátula sobre um dos escorridos de tinta no chão e espalhei freneticamente a tinta na superficie com a espátula. no suspiro após a tempestade, finalmente eu tinha algum resultado. assim, a espátula ao invés de escorrer me serviu para espalhar a tinta e dar peso e sombras à imagem. para escorrer testei bastões de madeira, bastões cônicos de plástico, e acabei chegando no resultado que mais me agradou e se mantém até hoje com cabos de escova de dentes, e para espalhar a tinta, colheres vieram se unir à espátula que por fim, foi abandonada.

 

Após essa experiência, surgia minha primeira série do que pode ser chamado pintura em "artes plásticas", e junto foi vindo conceito e forma, dialogando com o desenvolvimento da Caos Dança e posteriormente com minhas pesquisas em dança Butoh, e meus estudos e escritos em filosofia até chegar aos Corpos Disruptivos ou Corpos em Devir de minha primeira individual. Descobri nesse trajeto que nem todo corpo aceita um rosto, aliás, pouquíssimos aceitam. e isso coincidiu tanto com a inserção da argila como elemento essencial de minhas performances e pesquisas de Caos Dança, recobrindo o rosto, anulando a identidade e restituindo a possibilidade de dançar o "um corpo qualquer",quanto com a pesquisa de rostidade de Deleuze e Guattari, e com conhecer o trabalho Transfiguração de Olivier de Sagazan (FR) e posteriormente conhecer sua prática pessoalmente num workshop. Camadas e camadas trespassadas de influências mútuas.

 

Assim também, os corpos foram desapegando dos gêneros e dos cabelos, e mesmo do rigor anatômico de possuir dois braços, duas pernas, cabeça, tronco, tudo em seu lugar. Quem somos eu para apontar-se meu meio dedo para um corpo e dizermos como se organizar? E isso calhou com meus estudos de Artaud e o Corpo sem Órgãos, tanto em Artaud quanto no desdobramento conceitual de Deleuze e Guattari, quanto com a prática corporal do corpo esquiso em dança.

 

No decorrer do processo de produção das obras para essa exposição em 2013, no Rio de Janeiro, fui pesquisando a linha contínua e buscando aprofundar minha compreensão de sua fluidez. sempre tive em mente, desde os primeiros desenhos em minha tentativa de soltar a mão e desaprender a desenhar, a imagem de um fio de linha longo caindo e encontrando suas curvas na queda e na superfície, ou um lenço de seda ao vento, ou fios de fumaça de incenso dançando no ar e esfarrapando. E nisso, houve um encontro profundo com meu processo de dança/corpo, uma vez que chamo minha prática/pesquisa de corpo de Caos Dança devido, também, à busca por encontrar no corpo essa fluidez, essa dinâmica de curvas e retas encadeadas em rápidos e lentos instantes observado na fumaça do incenso ou no transformar das nuvens no vento, nos rabos dos gatos. 

 

Em Julho irromperam no Brasil as imensas manifestações, e eu, morando numa cidade em que ainda não encontrara os meus para ir lado a lado uma vez mais pra rua, e à espera do primeiro filho, decidi não ir para a linha de frente, e fiquei em casa repassando notícias e dando o amparo que pude. e isso incluia as técnicas energéticas de meus estudos de magia para fortalecer a egrégora de meus parceiros em todo o país, mesmo à distância. e ao queimar nessa intenção, de abrir caminhos, um símbolo com pólvora sobre uma folha de papel (o suporte que normalmente usava ficara em SP) pude observar que o desenho ficou marcado sobre a folha. E mais uma vez, uma prática encontra seus conceitos e me propõe um rizoma criativo absurdo. assim, comecei a usar polvora nos corpos e a experimentar. E da pólvora, a queima e a fumaça, retomei a pesquisa de desenho com fumaça que havia descoberto em 2008 fazendo esculturas com lixo, quando queimando plástico e cola, decidi imprimir a fuligem que saia na fumaça numa folha posta acima. Achei incrível o resultado, mas guardei na gaveta das inúmeras idéias a desenvolver. Enfim havia chegado o momento.  essa arte à direita é um exemplo perfeito da potência e violência que essas artes em fumaça expressaram. 

 

Depois foram sendo desenterradas as esculturas em arame e plástico e restos de entulho, e a base de produção da exposição estava pronta.

 

Durante os 34 dias de exposição, de 7 de agosto a 11 de setembro de 2013, eu fiz inúmeras performances de produção ao vivo em que pude não só, abrir ao público os processos de produção desde a pintura em esmalte, o chamuscado da fumaça e a queima da polvora em sequencia, mas também me familiarizar com os processos também para mim, tão novos. 

 

A exposição teve performances de Caos Dança na abertura e no encerramento.  

 

Nesse processo unca descartei um processo, tecnica em função de outro e todo esse desdobramento influenciou e modificou fortemente meu desenho com caneta ou pena e nanquim com  um só traço.

 

 

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